terça-feira, 27 de janeiro de 2009

GARIMPO

Meu avô garimpava no rio
No embornal
Uma meia de pinga
Uma marmita de farofa
Palha para o fumo de rolo

Meu avô bateiava no rio
Dia a dia
Sol a sol

À noite ele manejava a máquina de projeção do cinema
Fred Astaire dançava na tela
Gina Lolobrígida tinha olhos estranhos e penetrantes
E Casinha Pequenina arrancou lágrimas de muita gente

Depois o cinema mudou de endereço
Vieram os filmes de kung fu

Meu avô morreu de complicações hepáticas
A televisão chegou e acabou com o cinema

O rio secou
E nem se usa mais garimpar com bateia

quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

HISTÓRIA DE CANOAS E PEIXES

Como quem escreve na areia
Rabisco palavras nas àguas do rio

Tudo ali era sacro
Na paisagem de canoas e peixes

De noite deitava-me em cama de varas
Em travesseiros de paina

O escuro do mundo vinha
De fantasmas e mulas sem cabeças

Vinha nas histórias contadas
Pelas avós na hora de dormir

Memória que assalta
E que por um instante ilumina o tempo distante

A infância distante e nunca esquecida
Como as gotas das primeiras chuvas de verão

PAISAGEM PINTADA DE VERDE

Feliz é o sertão
Quando a nuvem chora

Os pés de mandacaru
Arvoram de verde

Arvoram-se
Os pés de palma
Os pés de juá
As plantinhas do chão

Os bichinhos do mato
Também arvoram-se

Os caracóis
As mariposas
As cigarras
Os pirilampos
As jias e os jirinos

A paisagem agora é lume
Folhas de pitombeiras maduras
Caindo
Na terra molhada de sol

A CIDADE E AS CANOAS

Minha cidade mistura-se às canoas
Ao vento que varre a orla do rio

Minha cidade é lama e barro das enchentes
É pedra preciosa no oco do chão

Minha cidade é areia branca de praia sem fim
É àgua ribeira sino de igreja rua de terra batida

Minha cidade é o sobrado colonial
Sob o sol das tardes de verão

Minha cidade é passado
Minha cidade é saudade

Minha cidade é quimera
Fotografia em sépia pendurada na parede

AS MAIS SIMPLES PALAVRAS

Minha poesia é simples
E cheia de palavras simples como

Vale peixe rio canoa
Pedra seixo barro areia

Terra planta àgua praia
Beira beirada barranco barranca

Remanso rebôjo ribeira ribanceira
Vida viola vereda varanda

Jenipapo graviola graveto gravatá
Presépio perau pitanga procissão

Chuva quintal vento argila
Remo escaler madrugada solidão